O segundo dia :
João Paulo, marido de Bruna, tem um fardo difícil pela frente. Ele terá que contar para a filha de dois anos que a mãe morreu. Já Adelaide e Elcita eram ativistas, faziam tricô para mostrar como o governo enrolava os cidadãos no pagamento dos seus direitos. Caio se preocupava com os problemas financeiros da empresa. Attílio havia terminado de lançar um livro de gestão de empresas. Nadia havia comprado um apartamento maior para ter um filho. Claudemir gostava de jogar bola. Denilson adorava o filho de 9 anos e havia recém se mudado para Porto Alegre. Mariana tentava um emprego. Guilherme era detalhista. Marta vivia entre São Paulo e Rio. Vilma queria passar as férias em Natal. Do aeroporto de Porto Alegre, Marcelo ligou para a mãe e pediu que ela fizesse sopa. “Tá lá. A sopa está cheia de lágrima”, contou o tio. A tragédia das duzentas famílias de passageiros, tripulantes, empregados da Tam, motoristas e pedestres mortos no acidente de quarta-feira começou a ser contada ontem pelas TVs e sites. Entre os jornais, a Folha e O Globo fazem o esforço significativo para mostrar o drama das famílias.
Há duas linhas editoriais respeitáveis em tragédias como a de quarta-feira. A de O Globo foi escancarar a ausência de uma autoridade para falar da crise. Na reportagem “Apertem os cintos: ninguém sabe quem manda” e “Duzentos mortos, várias hipóteses, nenhum culpado”, o jornal cobra a falta de um pronunciamento do presidente Lula, do ministro Waldyr Pires, do presidente da Anac, Milton Zuanazzi, e da Infraero, José Carlos Pereira, e do comandandate da Fab, Juniti Saito.
Já a Folha tenta antecipar as causas do massacre. Depois de um dia inteiro em que a imprensa responsabilizou as obras na pista de Congonhas, o jornal se ancora no presidente da Infraero, José Carlos Pereira, para especular que pode ter havido falha mecânica no avião da TAM _ hipótese negada pela companhia. O Estado descreve a possibilidade de falha humana. “Pela evolução da velocidade com que o avião cruzou os 1,9 km da pista principal de Congonhas, oficiais da Aeronáutica avaliam que isso ocorreu por dois motivos: uma hesitação do comandante ou um conflito na cabine entre os pilotos sobre o que fazer para enfrentar a situação”, especula o jornal.
Todos os jornais destacam a nota do presidente da Federação Internacional das Associações dos Controladores do Tráfego Aéreo, Marc Baumgartner, em que pergunta: "Quantas pessoas serão mortas antes que governantes brasileiros parem com a experiência viva da FAB na segurança dos viajantes?". Hoje pela manhã, um Fokker-100 da TAM arremeteu na hora de pousar em Congonhas. E a Infraero decidiu que os vôos do Rio vão pousar, temporariamente, em Guarulho e não em Congonhas.
Pressões das companhias aéreas foram determinantes para a liberação da pista principal do aeroporto de Congonhas antes da conclusão da reforma e da realização do "grooving". O lobby empresarial visava não só manter a inauguração antes do começo das férias, mesmo sem a realização do "grooving", mas também reduzir pousos e decolagens de jatos executivos e táxi aéreo, o que realmente aconteceu. Citado extra-oficialmente pelo governo federal como prova de que Congonhas estaria em plenas condições de funcionamento, o laudo do IPT sobre a pista principal do aeroporto não existe. Aliás, apesar de a Infraero ter informado que a pista principal do aeroporto de Congonhas é segura, a partir de agora, ela será fechada em dias de chuva.
Merval Pereira, desmonta a decisão presidencial de mandar a Polícia Federal investigar o acidente: “se existe um órgão federal responsável pelas obras, que é a Infraero, e o presidente tem dúvidas da sua atuação, a primeira decisão a ser tomada teria de ser a demissão do responsável”. É o que vai acontecer: Lula vai descartar a criação de um gabinete de crise, mas pretende demitir em breve a cúpula da Infraero e tirar poderes do ministro da Defesa, Waldir Pires. A idéia de Lula é reforçar o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), criado em 2003 para assessorar a Presidência nas questões relacionadas ao tráfego aéreo. .
O pior momento de toda a cobertura foi a guerrilha na internet entre os antilulistas (que comemoram o acidente como uma prova de que tudo o governo faz é ruim) e os lulistas (que atacavam Serra por ter visitado o local do acidente). Um exemplo desse tipo de jornalismo está no artigo de hoje, na Folha, do psicanalista Francisco Daut, que começa assim: “gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, "GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS". Que coisa...
A confusão fez os jornais deixarem passar sem críticas a patética entrevista do presidente da Tam, Marco Bologna, em que ele afirmou que a pista de Congonhas é segura, a sua tripulação é ótima e o Airbus, uma máquina de excelência. Então, essa tragédia é uma miragem? Ele não explicou por que o 0800 da companhia passou a noite dando informações desencontradas sobre a identidade dos mortos e que doze horas depois do desastre, a companhia ainda corrigia a lista de passageiros do avião.
A mais reportagem mais inteligente na imprensa estrangeira está no americano The Wall Street Journal, que escreve: “o desastre traz à tona as deficiências da infra-estrutura aérea e ineficácia do governo brasileiro em enfrentar o problema. Mas também é um sinal de alerta para industria mundial de aviação, que aumentou o tráfego aéreo sem crescer a preocupação com segurança”.
O italiano Corriere della Sera ataca a superlotação dos aeroportos brasileiros. "O que soa como uma história de sucesso e inclusão social contém há muito tempo as sementes do desastre. De crescimento selvagem também se pode morrer".
O Los Angeles Times observa a frustração dos passageiros com as companhias aéreas e as autoridades. Era “raiva” e expectativa de uma “reação imediata” do governo, segundo o The New York Times
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